Quem somos


O Mundo transforma-se a uma velocidade estonteante.

Mudou a forma como nos relacionamos, como aprendemos. Não deveria mudar também a forma como ensinamos? Que tipo de cidadãos precisamos de formar para fazer face a um futuro que desconhecemos?

São cada vez mais os professores, pais e alunos que colocam a si próprios estas questões, e sentem no seu dia-a-dia a necessidade de mudança.

Aqui ficam os seus manifestos e relatos de boas práticas...

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Por uma escola diferente, com filosofia e gosto pelo pensar (Joana Rita Sousa)

Desde que me lembro que a escola faz parte da minha vida. Com três anos de diferença do meu irmão, mais velho, lembro-me de querer sempre acompanhá-lo nos trabalho. Sou do tempo em que não havia jardim de infância e as crianças ficavam com a família, até à idade escolar. 
A minha mãe conta que comprou um caderno só para mim e que eu imitava aquilo que o mano fazia. A verdadeira "macaquinha de imitação".
Quando entrei na escola já sabia algumas coisas. Nunca houve pressa para me ensinar nada, cá em casa. Mas eu via e aprendia com o mano, de forma natural. Ir para a escola era algo que eu aguardava muito. Ia ser a minha vez de trazer trabalhos para casa. Foi uma aventura. E um desalento. 
Não compreendia por que é que os meninos demoravam tanto tempo a aprender as coisas. "Tantos dias para aprender o a!" - eram coisas destas que a minha mãe ouvia, quando eu chegava. Tive que aprender a esperar (algo que ainda hoje estou a aprender, confesso). E tinha um caderno cá em casa, só para casa, para treinar coisas que eu já sabia e que os meus colegas ainda não tinham aprendido. É que o mano continuava a estudar, uns anos "mais à frente" e eu, curiosa como sou, não resistia a acompanhá-lo nos estudos. E a professora não gostava muito que eu avançasse nas coisas. Eu avançava, sim, mas só em casa.
Apesar de tudo, nunca deixei a escola. Estudei filosofia na universidade e continuo, até hoje, a estudar. Preciso da escola para me disciplinar na investigação, para cumprir objectivos. Além disso, trabalho em escolas. 
Trabalho na área da filosofia para crianças e é com muito gosto que levo a filosofia para dentro do jardim de infância ou das salas do 1º ciclo. O gosto é ainda maior quando são os educadores de infância e até mesmo os pais que solicitam a minha intervenção. 
É maravilhoso ver os mais pequenos a descobrir as maravilhas do pensar, o lado lúdico das ideias e o espanto - aquilo que é tão próprio dos filósofos.
O que não é tão maravilhoso é ver como as escolas precisam tanto de mudar o seu olhar sobre a criança. Há muitos anos que se fala em mudança, em assertividade, em inteligência emocional, em criatividade, em "mais atenção à criança e às suas necessidades", em escolas inclusivas e outras coisas que tais. Mas o facto é que ainda há escolas onde o acesso ao 1º andar só acontece através de umas escadas horríveis. O facto é que há escolas construídas com uma acústica péssima que torna impossível ter uma aula com a porta aberta. Há escolas onde as cadeiras são tão desconfortáveis que nem percebo como é possível estar sentado ali durante mais do que uma hora. As salas continuam com a configuração habitual: filas de mesas e cadeiras. E só vemos as nucas uns dos outros. E o rosto? Trabalha-se para o aluno médio e ficam de fora os alunos que "o sistema" identifica como lentos ou demasiado espertos. Depois há as concepções de "portar bem" e "portar mal" - que tantas vezes são medidas de acordo com a capacidade que o aluno tem em ficar ou não calado e quieto. 
Temos um professor ou educador para vinte e oito alunos - o que é violento, para ambas as partes. Há escolas com quatrocentos alunos e quatro assistentes operacionais para toda a escola. 
Isto acontece agora, enquanto eu escrevo estas palavras. 
Por tudo isto - e algumas coisas mais - fico muito emocionada quando vejo  pais, educadores, professores e assistentes operacionais a "fazer magia" com os recursos que têm. E ainda se consegue fazer magia. É esgotante, é um constante lutar contra a maré. Mas consegue-se.

Trabalhar por uma escola diferente significa olhar para os exemplos que nos chegam de fora - e de dentro. Escola da Ponte, Casa da Árvore (em Leiria) ou o agrupamento de escolas gerido pelo professor Adelino Calado. Temos exemplos que nos mostram que é possível pensar, desejar e fazer acontecer uma escola diferente, mais ajustada às crianças dos dias de hoje, às necessidades de aprendizagem diversificadas que cada um apresenta. É possível o verdadeiro trabalho interdisciplinar: psicólogos, professores, educadores, pais, família, profissionais do ATL (actividades de tempos livres) ou das AEC (actividades extra-curriculares / de enriquecimento curricular). 

E se é possível, só temos que "contaminar" os locais por onde passamos. Cada um de nós. Fazer a diferença na vida das crianças com quem trabalhos.

Há uns anos trabalhei numa escola do 1º ciclo, como técnica de AEC. Era conhecida pela "professora que não gostava de ser tratada como professora". Cedo comecei a perceber que os alunos não sabiam os nome dos professores, com excepção do professor titular. No final do ano, quando perguntavam a um dos alunos quem tinham sido os seus professores, o pequeno Manuel (nome fictício) , do alto dos seus 7 anos, respondeu: "Era a professora Andreia [nome fictício para a professora titular], a teacher [professora de inglês], a professora de expressões, o professor de educação física e a Joana." 

É fundamental não perder a esperança e não baixar os braços. No meu caso específico, há que persistir neste trabalho que consiste em alimentar o pensamento crítico e criativo da criançada com quem tenho o privilégio de me sentar para filosofar. Para mim, a filosofia deverá estar nas escolas desde cedo. Desde os 3 anos, no jardim de infância. O trabalho do filósofo tem que ter uma componente pedagógica relevante e deverá ser realizado em equipa com os educadores e professores de cada turma, de cada aluno. Se isso sempre acontece? Não. Tenho tido a felicidade de trabalhar em parceria com educadores e professores interessados - e outros que nem por isso. Foco-me no trabalho com os primeiros e tento fazer o melhor possível com estes últimos.

Todos os dias trabalho por uma escola diferente, com filosofia e gosto pelo pensar. Por falar nisso, tenho algumas aulas para planear. E um jogo que prometi a uma turma, em que pudéssemos brincar ao "whatsapp" e usar a filosofia. Meti-me em trabalhos, está visto. Mas daqueles trabalhos bons, em que sou chamada a pensar e a criar. Porquê? Por que os meus alunos me desafiam, todos os dias. 



1 comentário:

  1. Boa tarde.

    Não compreendo a escola actual.. Tenho 36 anos e já quando fui aluna não compreendia a escola.. Tenho agora um filho de 6 anos.. Das primeiras coisas que disse à professora do meu filho (que entrou este ano para a primeira classe) foi não concordo com os trabalhos de casa. A primeira vez que ela os mandou para casa, ele não os fez e levou um vermelho no comportamento (dos TPC) todos os dias até os ter feito. Agora ele quer sempre fazer os tpc e mais quer fazer os tpc extra porque assim tem um azul no comportamento, se levar só os tpc normais tem um verde. É um descanso para mim o meu filho estar a reagir bem à escola e a querer esforçar-se mais, fazendo isso com vontade e capacidade - que sei que tem.

    Mas como mãe consciente, que faço questão de ser, assusta-me as consequências que terá para ele no futuro estar horas e horas e horas todos os dias sentado a uma secretária...

    Mas do fundo do meu coração partilho aqui, que não faço ideia de como fazer diferente...

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