Quando, há três anos, sugeri ao meu filho mais velho que
parasse de se queixar da escola e tomasse nota do que gostava de mudar nela,
recebi um role de sugestões que, desde então, têm norteado a minha “luta” por
uma mudança necessária:
* O excesso de avaliações e exames coloca uma pressão enorme
nos alunos. Não se trabalha para saber, mas para ter boas notas. Sendo que esta
pressão recai também sobre os professores e sobre as escolas (ai os rankings!).
Hoje sabe-se que, sob um stress excessivo, a energia mental é reduzida. O
cérebro aciona todos os seus mecanismos primários de alerta, prejudicando a
apreensão cognitiva. Se pomos uma criança a andar sobre o arame, como queremos
que ela aprenda a tabuada?
* A aprendizagem devia ser mais divertida, com mais jogos,
mais experiências. Os alunos deviam sair mais das escolas e conhecer o mundo
para o qual se estão a preparar. Claro que tudo isto tem custos. Mas grande
parte do problema prende-se ao excesso de matéria que se dá em cada ano. Muitos
professores revelam dificuldade em cumprir o conteúdo programático, e nada é
devidamente aprofundado, experienciado, questionado. Para os testes, é mais
avaliada a capacidade de “decorar” dos alunos do que a sua compreensão
aprofundada e o seu sentido crítico. Como diz o meu filho, “para quê decorar
tanta coisa que não nos interessa nem vai interessar para o nosso dia-a-dia, se
hoje temos o Google?”.
* Passar um dia inteiro sentado a uma secretária a ouvir
alguém a falar (por mais estimulante que seja) é duro. Especialmente duro para
uma criança ou jovem que está numa idade em que precisa de brincar, correr e
saltar. Deixar a escola ao final de um dia inteiro e ainda ter de ir fazer
trabalhos de casa e estudar para os testes, é uma violência. Se até os adultos
ao final do dia sentem necessidade de descansar, porque é que as crianças têm
de continuar a trabalhar? Se é necessário ter as crianças nas escolas,
ocupadas, porque não dar-lhes outras ferramentas que são também fundamentais
para o seu desenvolvimento (e às vezes muito mais do que certas matérias):
artes plásticas, teatro, música, dança, desporto, trabalho sobre as emoções,
filosofia, culinária, cidadania, escrita criativa, línguas, etc, etc, etc?
Porque terão estas atividades de ser remetidas para o final da tarde, quando as
crianças já estão cansadas?
* Todas as crianças são diferentes. Têm talentos e
qualidades. Num sistema de ensino igual para todos até uma idade avançada, há
muito pouco espaço para o desenvolvimento individual dos talentos de cada um. A
aposta (em aulas de apoio e explicações) é sempre naquilo em que os alunos são
mais fracos. Não se aposta naquilo em que o aluno poderia fazer a diferença,
agora e no futuro.
* As turmas são muito grandes, há muito barulho e dispersão,
os professores passam uma boa parte do tempo a ralhar e a aplicar castigos. Se
a maior parte das matérias está na internet, em vídeos e conteúdos bem
explicados, não seria mais produtivo o aluno aprender autonomamente? E depois
aproveitar o tempo com o professor para discutir e aprofundar as matérias,
fazer experiências e trabalhos enriquecedores, beneficiando aí da existência de
vários alunos?
* Se as tecnologias fazem parte do dia-a-dia dos alunos, e
farão parte do seu futuro profissional, porque é que estão tão ausentes na
escola?
Ao conversar abertamente com as
crianças e os jovens, percebemos facilmente que eles não querem
"matar" a escola. Eles entendem a importância da escola. Mas querem
uma escola diferente, que não os deixe entediados, desmotivados e/ou frustrados
dia após dia, durante anos a fio. Querem uma escola que os forme, mas também que
os ajude a serem felizes, livres, curiosos, que os ensine a conhecerem-se, a
conhecerem os outros e a saberem lidar com o mundo à sua volta. Parte deste
trabalho deveria ser feito pelas famílias, é certo. Mas como exigir tanto às
famílias se as crianças passam o dia todo na escola e a escola ainda invade o
espaço com a família, com trabalhos de casa e estudo. Como exigir tanto às
famílias, se os pais trabalham tanto e até tão tarde e não há políticas sociais
e económicas que os apoiem? (e isso daria outro manifesto).
É hora de nós, pais e professores, nos
perguntarmos seriamente para que serve a escola e que tipo de seres humanos
estamos a criar nelas. Este modelo de ensino é uma herança do século XIX, em
que era necessário capacitar futuros trabalhadores para as fábricas,
essencialmente. Se o país e o mundo, neste momento, precisam de trabalhadores
competentes, mas também empreendedores, autónomos, criativos, curiosos, com
sentido crítico, capacidade de entreajuda e preocupados com o mundo que estão a
construir... estará a escola a contribuir para a formação desse tipo de
cidadãos? Se não, o que precisamos de mudar?
Em muitos países o sistema de ensino já
está em mudança. Em várias escolas já não existem aulas, nem currículos
estanques, nem avaliações como a nossas. A autonomia e o respeito pelas
capacidades e interesses individuais da criança e jovem são trabalhados através
de projetos interdisciplinares, com professores que são sobretudo tutores,
mestres para a vida. Em Portugal, há também escolas que alimentam esse sonho e
criam medidas inovadores que fazem toda a diferença na vida dos alunos. Esta
mudança é possível. É necessária. E é urgente. Dela depende a felicidade das
novas gerações. E uma geração feliz, constrói inevitavelmente um mundo melhor.